UE adia mais uma vez meta climática de 2035 e aposta em 'carta de intenção'; entenda como atraso pressiona a COP30
Bandeiras da União Europeia tremulam em frente à sede da Comissão Europeia, em Bruxelas. REUTERS/Yves Herman A menos de dois meses da COP30, em Belém, a Uni...

Bandeiras da União Europeia tremulam em frente à sede da Comissão Europeia, em Bruxelas. REUTERS/Yves Herman A menos de dois meses da COP30, em Belém, a União Europeia decidiu que, em vez de anunciar já uma meta climática fechada para 2035, vai levar a Nova York, na semana que vem, apenas uma carta de intenção, ou seja, um sinal político do que pretende fazer, que não tem força de compromisso. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias em tempo real e de graça O texto foi divulgado nesta semana e fala em reduzir as emissões entre 66,25% e 72,5% até 2035, em comparação aos níveis do bloco em 1990. Segundo especialistas ouvidos pelo g1, a opção pela “declaração de intenções” foi vista como uma forma de evitar o constrangimento de chegar de mãos vazias ao encontro convocado pelo secretário-geral da ONU na próxima semana justamente para que líderes apresentem suas novas metas climáticas — as chamadas NDCs — antes da conferência de Belém. 📝ENTENDA: Essas metas são o principal instrumento do Acordo de Paris para enfrentar a crise climática, e a rodada atual - chamada de NDCs 3.0 - pode ser a última chance real de manter vivo o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C. Agora, para que entrem de fato nas negociações, todos os compromissos precisam ser apresentados antes da COP30. Essa espécie de vitrine de Nova York foi planejada para dar visibilidade aos países que estão na dianteira do processo, como uma espécie de prévia da COP30. A ONU pediu que as metas de 2035 fossem entregues até este mês setembro, de modo que pudessem ser incorporadas ao relatório-síntese que será publicado em outubro, às vésperas da conferência no Pará. Mas, até agora, apenas 34 países dos 195 signatários do Acordo de Paris apresentaram suas novas metas. a COP30 e nosso futuro Os países que ainda não entregaram — entre eles China, Índia, Rússia e aqueles que fazem parte da UE — respondem por mais de 80% das emissões globais. Assim, o risco, dizem analistas, é que a União Europeia e outros grandes emissores cheguem a Belém sem uma ambição suficiente, e que a COP30 se torne um palco para expor, diante do mundo, a distância entre promessas e a ciência do clima. “Esperamos que a Presidência da COP30 use seu poder de articulação para pressionar a União Europeia e todas as Partes rumo ao mais alto nível possível de ambição. Ainda assim, só ambição não será suficiente: já está claro que as novas NDCs, embora avancem na direção certa, ficarão aquém do necessário para manter a meta de 1,5 °C ao alcance", explica ao g1 Andreas Sieber, diretor-associado de políticas globais e campanhas da 350.org. Abaixo, entenda mais. Impasse europeu Em síntese, o Acordo de Paris estabeleceu que os países que o assinaram devem apresentar suas novas NDCs a cada cinco anos. A primeira rodada foi entregue em 2020, e a segunda deveria ter sido submetida até fevereiro de 2025. Mas como apenas 13 países cumpriram esse prazo inicial, a ONU estendeu informalmente o cronograma para este mês, de modo que os compromissos possam ser incluídos no relatório-síntese que será publicado antes da COP30. Como funcionam as discussões da COP, a conferência do clima da ONU Dessa forma, para dar visibilidade aos países que estavam na dianteira do processo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, convocou uma reunião especial para a próxima semana em Nova York, durante a Assembleia Geral, onde líderes mundiais deveriam apresentar seus novos compromissos climáticos. Assim, o esperado era que o Conselho de Meio Ambiente da União Europeia, reunido na última quinta-feira (18), chegasse a um acordo concreto sobre a nova meta climática de 2035, aprovando a NDC. Ministro europeu do Clima, Wopke Hoekstra, cumprimenta a ministra Marina Silva durante encontro no G7. X/WBHoekstra No entanto, em vez de selar esse compromisso, os 27 ministros ambientais passaram horas em discussões que terminaram com mudanças pontuais no texto da chamada declaração de intenções, sem avançar para a adoção de uma meta definitiva, segundo fontes europeias ouvidas pelo g1. "A UE é e continuará sendo líder climático global", disse o ministro dinamarquês do Clima, Lars Aagaard, cuja presidência rotativa do bloco conduziu as negociações. Já o comissário europeu de Clima, Wopke Hoekstra, afirmou que o arranjo encontrado “permite caminhar com confiança para Nova York”. Ao g1, um funcionário da União Europeia explicou que a maioria dos países do bloco defende uma meta mais ambiciosa: reduzir em 90% as emissões até 2040, por considerar esse patamar compatível com o objetivo central do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC. Segundo ele, essa seria uma redução compatível com a trajetória recomendada pela ciência e defendida desde o início do semestre pela presidência dinamarquesa, que buscou vincular a meta de 2040 à definição de um objetivo intermediário em 2035. Apesar disso, o mesmo funcionário reconheceu que ainda há divisões internas que atrapalham as discussões. Parte dos governos, por exemplo, defende salvaguardas para setores mais dependentes de combustíveis fósseis ou para indústrias intensivas em energia, como aço e cimento. Também geram atrito temas sensíveis: alguns governos querem ter a opção de compensar parte das emissões fora do bloco, outros resistem a regras mais duras para carros e há ainda dúvidas sobre novos mecanismos de cobrança de carbono, tanto para produtos importados quanto para setores como transporte e construção. “Vários países querem que suas preocupações sejam levadas em conta antes de aceitar a proposta, em especial em pontos politicamente delicados", diz. De forma geral, a batalha sobre a meta climática de 2035 da UE está ligada ao objetivo climático geral do bloco para 2040, proposto pela Comissão Europeia em julho. Ainda segundo fontes oficiais da UE ouvidas pelo g1, a discussão sobre essa meta foi suspensa depois que França e Alemanha se juntaram a Polônia, Itália e outros países para formar uma minoria bloqueadora, adiando a discussão até que os líderes nacionais se reúnam no final de outubro. O adiamento também afetou a aprovação planejada do objetivo de 2035, já que a Comissão e a Dinamarca haviam planejado que a meta da NDC fosse derivada da nova meta de 2040. "A NDC [da UE] vem sendo discutida há meses no grupo de trabalho sobre meio ambiente (internacional) do Conselho da União Europeia. De propósito, os números foram deixados de fora porque sempre afirmamos que, primeiro, viria a emenda da Lei do Clima da UE com a meta para 2040", disse à reportagem um porta-voz da Comissão Europeia. LEIA TAMBÉM: Helder Barbalho diz que governo e órgãos buscam acordos sobre greve da construção civil nas obras da COP 30 Brasil é o quarto país que mais mata ativistas ambientais COP30: 79 países já confirmaram hospedagem; ONU aumenta diária de nações pobres para US$ 197 O presidente da França, Emmanuel Macron, fala durante uma coletiva de imprensa após uma cúpula especial de líderes da União Europeia para discutir a guerra na Ucrânia e a defesa europeia, em Bruxelas, na Bélgica. REUTERS/Christian Hartmann Pressão sobre o Brasil como anfitrião O Climate Action Tracker, organização que monitora as metas climáticas globais, criticou a posição europeia. Segundo uma análise do centro, a faixa de redução de emissões proposta pela UE - entre 66,25% e 72,5% até 2035 - está bem abaixo dos aproximadamente 77% de cortes necessários para o alinhamento com 1,5°C. 🌡️ENTENDA: Essa meta de 1,5°C foi estabelecida pelo Acordo de Paris para evitar impactos extremos do clima, como secas, elevação do mar e colapso de geleiras. Estudos recentes, porém, mostram que o mundo pode já ter ultrapassado esse ponto crítico. "É uma preocupação que a União Europeia tenha, por um lado, expressado seu 'compromisso inabalável' com o Acordo de Paris e seu objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C, mas, por outro, pareça incapaz de adotar uma meta, muito menos uma faixa indicativa que se aproxime da redução superior a 77% necessária para o alinhamento de 1,5°", afirmou a organização em comunicado. Já Sieber, da 350.org, avalia que embora a UE deva ir além de um corte de 72% para fortalecer sua credibilidade, "a direção é clara: as emissões estão se curvando para baixo". Mas com a decisão final empurrada para uma reunião especial do Conselho Europeu no final de outubro, pouco antes da COP30 em novembro, a Climate Action Tracker considera que ainda há uma chance para os líderes da Europa elevarem o patamar das metas. COP30 - Por que limitar o aquecimento a 1,5°C é a meta perseguida? Belém no horizonte O Brasil apresentou sua NDC em novembro passado com uma meta de reduzir emissões entre 59% e 67% até 2035. A meta brasileira, porém, também recebeu críticas de organizações ambientalistas nacionais. O Observatório do Clima classificou o compromisso como "desalinhado com a contribuição justa do Brasil para a estabilização do aquecimento global em 1,5°C". Segundo cálculos da rede, para uma verdadeira contribuição climática alinhada com a ciência, o Brasil deveria reduzir suas emissões em 92% até 2035 em relação aos níveis de 2005. "[Esses números] estão desalinhados com os diversos compromissos públicos já adotados pelo governo, bem como com a promessa do Presidente da República de zerar o desmatamento no país – em conjunto, essas políticas levariam a uma emissão líquida menor que 650 milhões de toneladas em 2035", acrescentou", afirmou à época Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. Por isso, para Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima, o debate europeu também precisa ser visto sob a ótica da contribuição justa que cabe à União Europeia, uma das maiores emissoras acumuladas de gases de efeito estufa. Ela avalia que, embora o bloco tenha condições tecnológicas e econômicas de liderar a transição global, as metas apresentadas até agora mostram sinais de hesitação. “Na prática, essa falta de consenso interno em torno da meta de 2040 acabou travando a definição da meta intermediária para 2035, que deveria ser apresentada antes da COP30”, diz a especialista. Herschmann lembra inclusive que a liderança do bloco já havia sido colocada em xeque na COP anterior, quando a postura rígida sobre financiamento climático desapontou países em desenvolvimento. Vista aérea do mercado do Ver-o-Peso, em Belém (PA), que será sede da COP30 em novembro. Anderson Coelho/AFP Em Baku, o bloco propôs um objetivo coletivo de apenas US$ 200 a 300 bilhões anuais em recursos públicos, muito abaixo da estimativa mínima de US$ 1,3 trilhão apontada por especialistas, o que foi visto como “insulto” por vários negociadores. "Todos os países precisam elevar sua ambição, mas a maior lacuna de credibilidade da UE está no financiamento climático", acrescenta Sieber. "Num momento em que os Estados Unidos praticamente abandonaram esse campo, a Europa precisa de novos aliados. Sua credibilidade dependerá menos das metas técnicas e mais da capacidade de demonstrar solidariedade. Na COP30, seria aconselhável que a UE enviasse sinais fortes e compromissos concretos em relação ao financiamento climático". LEIA TAMBÉM: Da seca ao dilúvio: ONU alerta para quebra do padrão de chuvas e estiagens no mundo Fumaça das queimadas pode causar 1,4 milhão de mortes por ano até 2100, diz estudo O que é economia circular e quem já está lucrando com ela no Brasil? COP30 - Como a floresta produz chuva?