MP denuncia PMs que atiraram em motoboy nu durante Operação Escudo por tentativa de homicídio; vítima não estava armada
Exclusivo: câmeras corporais mostram PMs atirando em motoboy durante operação O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apresentou denúncia por tentativa...

Exclusivo: câmeras corporais mostram PMs atirando em motoboy durante operação O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apresentou denúncia por tentativa de homicídio contra os três policiais militares que atiraram contra o motoboy Evandro Alves da Silva durante a Operação Escudo. O g1 e a GloboNews divulgaram com exclusividade as imagens das câmeras corporais que registraram a ação (veja acima). O crime aconteceu em 30 de agosto de 2023, quando os PMs invadiram o imóvel alugado por Evandro, usado como ponto de apoio para mototaxistas no Morro José Menino, em Santos, litoral de São Paulo. Evandro estava nu e usava o banheiro quando foi baleado. Mesmo ferido com tiros de calibre 12, ele pulou a janela e caiu de uma altura de 7 metros nos fundos da casa. Na época, os policiais alegaram que o motoboy estava armado e apreenderam uma arma em cima de uma cama. Contudo, segundo o MP, a versão foi desmentida com a análise das imagens das câmeras corporais. Pelas imagens, obtidas pela reportagem, é possível ver que não havia nenhuma arma em cima da cama e, após dois minutos, aparece uma pistola semiautomática cromada. Para a família do motoboy, o armamento foi implantado na cena do crime pelos policiais. (Leia mais abaixo.) "Ficou provado que o homem não possuía nenhuma arma de fogo no momento da chegada dos policiais", disse o MP em nota. O g1 tenta localizar a defesa dos agentes denunciados. 🔎 O que foi a Operação Escudo? Realizada na Baixada Santista, a operação começou em julho de 2023, após a morte do PM Patrick Bastos Reis, e resultou na morte de 28 suspeitos em supostos confrontos. A ação foi alvo de denúncias por órgãos de direitos humanos a partir de relatos de moradores sobre execuções, tortura e abordagens policiais violentas. Evandro oferece serviço de mototáxi no Morro José Menino, em Santos. Reprodução O dia dos tiros Cerca de seis meses antes da ação policial, Evandro teve a ideia de oferecer o serviço de mototáxi no Morro José Menino e alugou um pequeno imóvel — composto por uma sala, uma cozinha e um banheiro — para funcionar como ponto de apoio e descanso para ele e os colegas. No dia dos fatos, ele estava sozinho no imóvel com a porta trancada e havia tirado a roupa para usar o banheiro, quando três policiais militares do 5° Batalhão de Ações Especiais (Baep) apareceram. O quarto integrante da equipe permaneceu na viatura. A equipe era formada pelos policiais: Sargento Thiago Freitas da Silva Soldado Daniel Pereira Noda Soldado Carlos Vinicius Batista Bruno Soldado Lucas Matias dos Santos "Quando eu sentei no vaso, meteram a mão na porta. Eram os policiais. Eles perguntaram: 'Quem que está aí? É o Evandro?' Eu achava que eram os motoboys. Quando eu abri a cortina, o policial estava com a calibre 12 apoiada na janela, e ele me deu um tiro. Eu levantei a mão, e ele disparou e pegou no meu peito", relembrou. Em pânico, Evandro quebrou uma pequena janela do banheiro e pulou de uma altura de 7 metros. Sangrando e sem roupas, caiu de bruços nos fundos do imóvel. "Na hora, o ato não foi pensando em fugir. Pensei na minha esposa e na minha filha. Eu pensei: 'Elas não vão me ver no caixão com caixão lacrado'." As imagens das câmeras mostram os PMs descendo da viatura, tentando forçar a porta e, em seguida, posicionando armas de grosso calibre na janela. Em segundos, efetuaram pelo menos seis disparos. Ao perceberem que Evandro havia pulado da janela, entraram no imóvel. Enquanto o motoboy agonizava de dor nos fundos da casa sob a mira da arma de um dos PMs, ele suplicava: "Pelo amor de Deus, chefe, me salva, eu não sou bandido, estão me confundindo". Evandro quebrou a janela e caiu de uma altura de sete metros. Reprodução Pelas imagens, um dos agentes chegou a colocar uma luva de plástico e revistou o corpo de Evandro à procura de arma — que não foi encontrada. O resgate demorou: o Corpo de Bombeiros e o Samu chegaram 30 minutos depois dos disparos. Evandro foi socorrido em estado grave para a Santa Casa de Santos, onde ficou 45 dias internado — sendo 23 deles em coma. Denúncia da arma A PM apreendeu uma pistola semiautomática cromada, de calibre 7,65 mm, dentro do imóvel usado como ponto de encontro pelos mototaxistas. Por esse motivo, Evandro foi indiciado por porte ilegal de arma. Mas as imagens trazem dúvidas: às 10h58, a câmera corporal de um PM mostra apenas um casaco preto sobre a cama. Dois minutos depois, a pistola aparece no mesmo local, de onde é recolhida por um agente e levada até a viatura. Às 10h58, a câmera mostra apenas um casaco sobre a cama. Dois minutos depois, a pistola aparece no mesmo local. Montagem g1/Reprodução Tanto Evandro quanto sua esposa, que também é sua advogada, sustentam que a arma encontrada na cena do crime foi plantada pelos policiais. "A arma estava no lado completamente oposto de onde o Evandro estava [no banheiro]. A arma é prateada, daria para ver [em cima da cama]. E outra coisa, pelos tiros que eles deram, por mais que o Evandro não quisesse atirar na polícia, pelo tanto de tiro que deram, o Evandro não teria revidado se ele estivesse com uma arma na mão?", questiona Anna. Abordado dois dias antes do crime Dois dias antes de ser baleado, Evandro contou ter sido surpreendido por policiais do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) dentro do imóvel alugado. Na ocasião, ele e um colega cortavam panfletos que seriam distribuídos na comunidade quando a equipe chegou. Segundo Evandro, dois PMs encapuzados invadiram o local e os colocaram contra a parede. “Na hora, meu corpo amoleceu. Pensei: ‘Já era, vou morrer aqui’. Eles mandaram a gente encostar na parede e começaram a engatilhar as armas. Falaram: ‘Quem dos dois tem passagem?’”, relatou. O colega admitiu ter uma passagem por tráfico de drogas, enquanto Evandro, com medo de ser executado, omitiu seu histórico criminal. “Falei que só tinha uma passagem de quando era moleque, com 18 anos. Eu não ia falar toda a verdade, estava com medo de morrer. Eles tiraram foto do meu documento e foram embora”, disse. Dois dias depois, uma equipe do Baep retornou ao imóvel. Foi nesse momento que a abordagem terminou em tiros e deixou Evandro gravemente ferido. O motoboy acredita que os agentes consultaram seus antecedentes criminais no sistema e por isso voltaram. LEIA TAMBÉM: MP encerra investigação sobre operações da PM que deixaram 84 mortos na Baixada Santista Dois anos da Operação Escudo: relatório revela abuso na ação policial e vingança contra jovens negros e pobres 90% das remoções de corpos na 1ª fase da Operação Escudo ocorreram sem necessidade e vítimas chegaram sem vida ao hospital, diz estudo Sequelas A ação policial de 2023 deixou marcas físicas e emocionais em Evandro. Ele teve oito costelas fraturadas, perdeu o baço e um pedaço do pulmão — onde há uma bala alojada. "Hoje eu tenho muita falta de ar. Tenho umas crises que todo mundo fala para mim que é crise de pânico. Eu nunca tive isso, sempre treinei, sempre gostei de atividade física, andava de skate e surfava", compartilhou. Segundo o motoboy, os episódios costumam ocorrer quando ele cruza com viaturas policiais. "Se der para entrar em algum lugar antes, eu entro, para não ter que passar por perto deles." Motoboy denunciado Por conta do episódio em 2023, Evandro foi indiciado pela Polícia Civil pelos crimes de resistência e porte ilegal de arma. Dois anos após o episódio, o MP-SP ainda não ofereceu a denúncia à Justiça nem solicitou o arquivamento das acusações contra o motoboy. Procurada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, em nota, que o inquérito policial foi concluído e que aguarda o parecer do Judiciário para "medidas cabíveis em relação aos agentes". O que diz a SSP "A Secretaria da Segurança Pública informa que todos os fatos relacionados à ocorrência citada foram devidamente investigados pela Polícia Militar e pela Deic de Santos, seguindo rigorosamente os critérios legais e com análise minuciosa de todo o conjunto probatório, incluindo imagens das câmeras corporais dos policiais envolvidos. Os inquéritos policiais foram concluídos e relatados à Justiça, que agora analisa o caso. A Polícia Militar aguarda o parecer do Poder Judiciário para a adoção das medidas cabíveis em relação aos agentes." O que diz o MP-SP "O MPSP informa que em todos os casos relativos à Operação Verão e à Operação Escudo houve investigação ancorada no exame das imagens das câmeras corporais, na oitiva de testemunhas, na tomada de depoimentos para conhecer a versão dos agentes e na confrontação desses dados com os laudos periciais. Importante também ressaltar que a fundamentação da decisão dos promotores de Justiça está detalhada nos autos. Destaque-se que, durante as Operações Escudo e Verão, o MPSP instaurou um Procedimento Investigatório Criminal para cada uma das mortes decorrentes de intervenção policial, realizando uma investigação independente daquela feita pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, apurações estas que fundamentaram o oferecimento de sete denúncias contra 13 policiais militares. Durante as investigações realizou-se busca ativa de testemunhas, resultando na oitiva do total de 92 pessoas; 330 filmagens analisadas, somando o total de 166 horas de vídeos; 167 interrogatórios, além de inúmeras perícias realizadas pelo Centro de Apoio à Execução (CAEx). Importante salientar ainda que, em face da atuação do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (GAESP), não houve mortes durante a Operação Verão 2025 nas mesmas circunstâncias de anos anteriores, demonstrando assim a seriedade com que o MPSP enfrenta o tema."