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'Construída em retalhos': como idosa venceu o analfabetismo aos 90 anos e lançou livro sobre a própria vida

Adélia Domingues com o livro "Construída em Retalhos" Josué Betim/ NSC TV Aos 90 anos, Adélia Domingues realizou um sonho de décadas passadas: publicar um ...

'Construída em retalhos': como idosa venceu o analfabetismo aos 90 anos e lançou livro sobre a própria vida
'Construída em retalhos': como idosa venceu o analfabetismo aos 90 anos e lançou livro sobre a própria vida (Foto: Reprodução)

Adélia Domingues com o livro "Construída em Retalhos" Josué Betim/ NSC TV Aos 90 anos, Adélia Domingues realizou um sonho de décadas passadas: publicar um livro sobre a própria história. A obra "Construída em Retalhos" foi concluída menos de um ano após se formar na Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJA) de Florianópolis, onde aprendeu a ler e escrever. O nome "Construída em Retalhos" faz alusão ao fuxico, técnica de artesanato que junta vários pedaços de tecido para criação de novas peças - e que é uma das paixões dela. Ao longo de 50 páginas, Adélia "costurou" fragmentos da própria vida. ✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp Dona Adélia nasceu em uma família pobre no Rio Grande do Sul em 1935 e precisou interromper os estudos na infância para ajudar em casa. Casou e ficou viúva duas vezes e trabalhou muito, na cozinha e no comércio, para sustentar os 11 filhos. A motivação para voltar à sala de aula partiu do sonho de colocar no papel essa história. Na EJA da Universidade Aberta para as Pessoas Idosas (Neti-Unapi), projeto gratuito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ela encontrou professores empenhados em ajudá-la. "Quando eu vim para cá, há uns 15 anos, eu já dizia que tinha que escrever minha história. 'Um dia eu te ajudo, te ajudo', diziam. Mas nunca ninguém teve muito tempo. As pessoas não têm muito tempo", comenta. 'O lucro é a sensação de superação' Ao todo, foram feitas 150 cópias, vendidas a R$ 35 cada, e a maioria já encontrou os respectivos leitores. "É criação minha e com o pessoal da EJA. É uma sensação de superar as coisas. Quando a gente quer tanto, quando acontece eu fico toda faceira", orgulha-se. O lucro aqui importa pouco, já que a renda dela vem da aposentadoria e dos extras que faz vendendo arte de fuxico. Algo que ela não abre mão, no entanto, é de poder inspirar outras mulheres a se desafiarem em novas atividades, seja fazendo dinheiro ou dando espaço a outras paixões. Adélia Domingues em aula da EJA, na UFSC Josué Betim/ NSC TV A professora Regina Seabra, da EJA, foi figura importante no processo de escrita. Apresentou para Adélia importantes obras literárias e a incentivou, inclusive, a começar a digitar no computador. "Ela tem sido uma inspiração não só para, as professoras, mas também para os colegas de sala de aula, porque ela sempre tem muita vontade de aprender e fazer coisas novas", comenta. As páginas mesclam relatos de vivências, que incluem as brincadeiras com hora para acabar na infância até o trabalho em uma cozinha de fazenda que a fez interromper os estudos aos 14 anos. Ela espera deixar esses registros para "os filhos dos tataranetos". "A gente saía, corria por aí. A gente brincava muito, mas também trabalhava, porque com cinco anos a gente já tinha que fazer alguma coisa. A gente tinha o horário de brincar, tinha o horário de trabalhar, tinha horário de fazer as coisas. Estudar não dava, não tinha como". LEIA TAMBÉM: iniciativa que desafia o etarismo Fábrica de bolos prioriza contratação de mulheres 60+: 'Minha vida é aqui', diz funcionária Vida ativa Dona Adélia saiu da cozinha e entrou para o comércio porque queria trabalhar formalmente e garantir uma aposentadoria. Hoje, vivendo com o neto de 35 anos no bairro Rio Vermelho, no Norte da Ilha, ela aproveita bem o tempo livre que o benefício proporciona para manter o corpo e a mente ativos. As peças de fuxico feitas por ela, por exemplo, são vendidas pela própria artesã em uma feira na Lagoa da Conceição, todos os domingos. Pelo menos três vezes por semana ela também percorre de ônibus mais de 20 km até a UFSC, onde faz aulas de ginástica e teatro. Mesmo formada na EJA, ela também continua frequentando as aulas no campus. Independente, faz o trajeto sozinha, carregando apenas as sacolas com o que precisa para passar o dia fora de casa. Adélia Domingues faz aulas de ginástica para idosos na UFSC Josué Betim/ NSC TV Envelhecimento ativo não deve ser exceção 👵🏾Para a psicóloga Ana Maria Justo, ex-coordenadora da Neti-Unapi e especialista em na temática do envelhecimento, a integração à sociedade e o estímulo a novos aprendizados precisam ser mantidos na velhice, e a experiência de Adélia não deveria ser uma exceção. "Diferente de outras épocas em que se acreditava que velhice era declínio cognitivo e social, hoje a gente sabe que, ao longo de toda a vida, estamos nos desenvolvendo", afirma. Atividades focadas em envelhecimento ativo, como o que ocorre no projeto, buscam garantir oportunidades de saúde, proteção e segurança a pessoas idosas. "Envolve tanto segurança física como segurança financeira, participação social, que é um aspecto bem importante, e aprendizagem ao longo da vida", complementa. Conceito definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o envelhecimento ativo é o processo de otimização de oportunidades de saúde, participação e segurança ao longo da vida, a fim de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas. A importância dessas políticas públicas são vistas em dados. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2024, divulgada pelo IBGE em agosto de 2025, Santa Catarina vive um processo de envelhecimento populacional. Em doze anos, a proporção de idosos com 60 anos ou mais saltou de 10,9% para 15,6%, um crescimento de 4,7 pontos percentuais que acompanha a tendência nacional. Ideia é incluir Além da EJA, parceria com a prefeitura de Florianópolis, a Neti-Unapi possui outros projetos focados em construir uma sociedade mais inclusiva, como aulas de dança, hata yoga, teatro, aquarela e até cursos sobre aposentadoria, raciocínio lógico e globalização e direitos. A assistente social Cláudia Priscila dos Santos, atual coordenadora da Neti-Unapi, explica que as atividades ofertadas são escolhidas com base em pesquisas feitas com o próprio público-alvo e levam em conta os princípios de envelhecimento ativo. Agora, a coordenação busca ministrantes voluntários ou professores da UFSC que falem sobre educação financeira, fake news e prevenção a fraudes na internet - um pedido do próprio público-alvo. A psicóloga Ana Maria Justo defende a importância de olhar para o futuro, estruturando um planejamento de vida pessoal, para tentar garantir uma velhice com mais qualidade financeira, física e mental. Ela destaca a importância de políticas públicas eficazes nesse processo. O que é envelhecer com qualidade? Para Justo, significa ter recursos para poder manejar ou lidar com as diversas transformações (físicas, psicológicas, sociais) que ocorrem ao longo da vida. "É preciso haver condições sociais para que a gente possa estar olhando para essa velhice. É importantíssimo haver políticas públicas, políticas sociais, que olhem para essa velhice e que nos permitam, ao longo da vida, cuidar do nosso corpo, da nossa situação financeira, da nossa situação familiar". Adélia Domingues se formou na EJA no ano passado Polo da EJA NETI-Unapi/Divulgação Futuro em dia: idosos voltam à sala de aula para aprender sobre finanças pessoais VÍDEOS: mais assistidos do g1 SC nos últimos 7 dias